Entrevista com o quilombola Bruno Ramos, da Comunidade o Quilombo Santa Tereza do Matupiri/Rio Andirá
Fotografia: Eduardo Melo
Por: Larissa Monteiro/jornalista do Amazonas Cultura
“O quilombola pode conquistar tudo que sonhar”, Bruno Ramos.
O jovem, Bruno Maciel Castro Ramos, 32, é o primeiro quilombola do Amazonas a se tornar Bacharel em Serviço Social, pelo Instituto de Ciências Sociais, Educação e Zootecnia (Icsez/Ufam), no município de Parintins – AM.
A formatura aconteceu no dia 18 de janeiro, de 2024, no auditório da Universidade do Estado do Amazonas (Cesp/UEA), um momento nostálgico que ficará marcado na história de Bruno. Em 16 anos de existência de Serviço Social no Icsez, Bruno Ramos é o primeiro quilombola amazonense, da zona rural, a se formar Bacharel em Serviço Social.
Ramos leva consigo toda a bagagem cultural por onde passa, a reforçar sempre a identidade quilombola. Na universidade desenvolveu o olhar crítico dentro do contexto que vivencia, envolveu-se nos projetos de pesquisa e extensão.
Participou do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (Pibic), e fez dois projetos com temáticas, inteiramente, votadas para seu local de origem. A primeira pesquisa foi a “Organização Sociopolítica da Comunidade Quilombo Santa Tereza do Matupiri” e a segunda foi “A Participação da Juventude nos Movimentos Sociais e Políticos da Comunidade”.
Bruno pertence a comunidade Remanescente o Quilombo Santa Tereza do Matupiri, na região do Rio Andirá, no Município de Barreirinha. Nessa entrevista ele relembra a trajetória árdua na universidade pública, devido a vulnerabilidade socioeconômica; recorda sobre a difícil mudança interior/cidade; comemora a conquista da conclusão do ensino superior e ainda fala sobre os objetivos pro futuro.
Colação de grau de Bruno Ramos, no dia 18 de janeiro, de 2024, no auditório da UEA/Parintins (Fotografia: Eduardo Melo)
Onde você mora atualmente?
Atualmente eu tô residindo em Parintins, por conta da universidade eu tive que me deslocar do quilombo pra cá. É um percurso um pouco que difícil por conta da educação que é fragilizada na zona rural, como percebe-se. Então enfrentei vários percalços nessa minha caminhada, principalmente, em estar em um novo município e ter que conviver com uma cultura diferente da minha. Foi uma questão de adaptação que eu tive que reformular.
Sabe dizer se você é o primeiro quilombola a se formar em Serviço Social no Icsez?
Na verdade eu sou o primeiro quilombola do Amazonas, porque já teve um quilombola que se formou pelo Icsez, mas era do Pará. Aí no caso do Amazonas, eu sou o primeiro quilombola do Amazonas, sobretudo quilombola da zona rural. E sim, seguindo essa linhagem, eu sou o primeiro quilombola do Amazonas a concluir bacharel em Serviço Social. Eu espero que depois de mim, venham muitos que sirvam de influências, de exemplos pra muitos jovens que são excluídos pela sociedade, que não têm as mesmas oportunidades que as pessoas que se encontram na cidade. Eu espero que isso seja alcançado pelos jovens das comunidades tradicionais e também das comunidades quilombolas, por conta que a comunidade em que eu resido nem sinal dos dados móveis tem, então é muito difícil acessar os editais. Tudo isso são os empecilhos impostos, mas que a gente consegue vencer, quando a gente tem força de vontade.
Qual foi o tema e o objetivo do seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC)?
Em relação a minha proposta de TCC, essa eu não fiz um TCC, por conta que eu fiz um trabalho de iniciação científica que é o Pibic, eu escrevi dois Pibic. O primeiro Pibic eu escrevi sobre a organização da comunidade, como ela se organiza, como ela foi criada, como que é a relação dessa comunidade com os outros órgãos, esse foi o meu primeiro projeto. Aí dando o seguimento a essa ideia, eu escrevi o segundo, que era a participação da juventude quilombola nos movimentos sociais e políticos, é a questão que eu analisei. A minha pesquisa foi buscar como os jovens estão na política e na organização da comunidade, se eles são participativos ou não. Nessa pesquisa eu obtive umas respostas muito positivas e umas muito negativas. Foi uma pesquisa de campo, fui a campo na minha própria comunidade, eu posso falar com propriedade a minha relação orgânica com a minha pesquisa, por conta que eu sou do território, e pra mim foi uma alegria poder tá pesquisando dentro do território sendo de lá. E a minha pesquisa e o meu resultado obtido não foi certo, uns diziam que sim, uns diziam que não, então ficou nesse embate por conta da participação. Os jovens eles relataram nos resultados das pesquisas que não participam por conta de oportunidades, já os mais velhos já falam que os jovens não participam porque não gostam de se envolver, porque tem vergonha de participar de movimentos sociais [...], é uma coisa que aos poucos vai se perdendo dentro da comunidade, por conta destes jovens não se inserirem nesses movimentos, então esses foram os temas das minhas pesquisas. A primeira pesquisa foi “Organização Sociopolítica da Comunidade Quilombo Santa Tereza do Matupiri” e a segunda foi “A Participação da Juventude nos Movimentos Sociais e Políticos da Comunidade”.
Fale um pouco sobre a sua trajetória na Universidade.
Em relação a minha trajetória na universidade, se deu na comunidade quando eu senti a vontade de estudar, porque dentro da comunidade recebíamos muitos pesquisados e esses pesquisadores iam, coletavam dados e sumiam, nunca mais voltavam, aí sempre que iam, conversava com os pesquisadores e aí surgiu dentro de mim uma vontade de procurar estudar, querer estudar, sair daquela realidade que é a zona rural, trabalho braçal, trabalho bruto, eu quereria estudar e eu sentia vontade de estudar. Então eu consegui ingressar no PSI através das cotas e chegar a universidade, chegando aqui eu me deparei com uma relação de uns conflitos sociais, questão cultural, questão de organização. Então não era acostumado com a cidade, vim da zona rural, foi uma coisa muito difícil sem ter conhecidos aqui, tive que enfrentar a universidade, e ir pra universidade, principalmente. Eu morava longe da universidade, como a Ufam aqui é na estrada, eu vinha a pé pra aula, foi um pouco doloroso, um pouco cansativo, até que eu consegui ser inserido nas bolsas através da minhas pesquisas, do meu Pibic, que foi uma coisa que me ajudou bastante em parceria com o professor Patrício, que foi meu orientador desde o início, desde que eu entrei na universidade, ele estava ali pra me ceder a mão, pra me ajudar nos trabalhos, orientar, tudo que eu precisei sempre ele estava disposto, ele sempre foi acessível, então eu agradeço muito ao professor Patrício nessa minha caminhada. Mas, digamos que a minha caminhada foi um pouco de dor e sofrimento, e agora vitória, concluindo o curso, olhar pra trás e ver tudo que eu já passei na universidade, é uma coisa que chega emocionar a gente, porque tem momentos que a gente pensa em desistir, por conta dos empecilhos, já se sente incapaz de tá ali estudando, por conta de chegar em casa cansado e pensa mesmo em desistir. Essa parte que é muito importante de ter alguém que incentiva a gente a seguir, aquele alguém que vai dar impulso, e nessa minha caminhada eu agradeço muito a minha esposa, que era namorada, agora esposa, que conviveu comigo nesses 4, 5 anos, porque um ano foi a questão mais dramática, que um ano não teve as aulas por conta da pandemia.
Bruno Ramos recebe capelo da irmã Yara Viana (Fotografia: Eduardo Melo)
Quando eu ingressei na universidade, damos de cara com o embate da pandemia, foi aquele sufoco, tive que voltar pra comunidade, deixar tudo e voltar, assim que passou retornei pra cá de novo. Então dentro da universidade eu me desenvolvi, meu lado intelectual, meu lado de pesquisador, dentro da universidade eu pude ter uma nova visão crítica das coisas, participei, me envolvi nos movimentos sociais, fiz projeto de pesquisa, fiz projeto de extensão, tudo que tem dentro da universidade, lá estava eu, sempre reafirmando: eu sou Bruno Ramos, eu sou quilombola, é o que eu sempre dizia. Várias vezes eu via assim um olhar de estranheza, perguntavam mas o que é quilombola? E eu reforçava e tornava contar a história do povo quilombola, como surgiu, como é a luta, porque a luta não para. Eu acredito que na vida das pessoas a educação é transformadora e se a gente não buscar a educação, acontece o que realmente pensam da gente, que a gente é um povo atrasado, na verdade o que falta é oportunidade, a partir da oportunidade a gente consegue trabalhar e procurar se especializar em alguma coisa. Hoje eu me sinto muito feliz por ter concluído bacharel em Serviço Social, mesmo um pouco triste também, porque nesses 16 anos de Icsez, de Ufam em Parintins, apenas um quilombola do amazonas, é um dado muito triste, depois de ter tantos jovens quilombolas e não conseguem ingressar na universidade. Mas eu estou feliz e a minha trajetória foi essa, foi uma trajetória de luta, uma trajetória de resistência, e por várias vezes bateu aquela vontade de desistir, mas persisti e estou aqui.
Qual seu objetivo pro futuro?
Meu pensamento futuro é continuar na educação, continuar pesquisando, continuar trabalhando, e futuramente, tentar um mestrado, um doutorado e voltar pra comunidade, pra disseminar esses ensinamentos adquiridos, porque na comunidade existem doutores das suas próprias histórias. Eu tô apenas adquirindo algumas partes teóricas, algumas coisas que a gente tem dentro do quilombo, mas não tem nada escrito, então eu acredito que é preciso desenvolver essa escrita pra ter algo registrado. Então eu quero continuar estudando, quero continuar nessa linha da educação e cada vez mais buscar conhecimento.
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