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Luta e Resistência das Religiões de Matrizes Africanas em Parintins

Atualizado: 16 de nov.

Movimento Afro Parintintin em busca por igualdade religiosa nas Políticas Públicas e as súplicas das mães de santo para o fim dos preconceitos 


Apresentação cultural dos povos de terreiro no Movimento Afro Parintintin 2022 (Foto: Larissa Monteiro/Amazonas Cultura)

Por: Larissa Monteiro/Amazonas Cultura


Estado laico é imparcial e garante direitos iguais às religiões. O Movimento Afro Parintintin (Movimento de Luta contra Intolerância Religiosa em Parintins) quer, além do respeito às religiões de matrizes africanas e o fim do racismo na sociedade, ser incluído nas políticas públicas da cidade.


O professor e pesquisador Franciney Silva, um dos fundadores do movimento, faz algumas reflexões sobre as desigualdades religiosas, nas políticas públicas do município.


“Parintins é uma cidade que tem, de alguma forma, um grande propósito dentro da cultura, que é justamente ramificar, a partir do boi-bumbá, essa cultura. Só quando se trata dos povos de terreiros, não temos algo voltado pra nós. Queremos nos irmanar aos nossos irmãos e, a exemplo deles, ter os mesmos direitos que eles têm. Tanto na igreja católica quanto na igreja evangélica, eles têm, lá de alguma forma, festas e momentos religiosos, e nós queremos também ter esses momentos. E que nós possamos ser apoiados pelo Poder Público, porque, se o Estado é laico, governo nenhum pode tomar partido dentro de uma questão política, então, se toma pra um, é importante tomar pra todos”, comenta.


O Movimento Afro Parintintin surgiu em novembro de 2020, mês da consciência negra, com objetivo de unir o povo de terreiro da umbanda e candomblé presente em Parintins.


No ano de 2021, houve a primeira manifestação. Em 2022, entre os dias 16 e 19 de novembro, em parceria com a Universidade do Estado do Amazonas (Cesp/UEA), aconteceu a segunda edição do evento, com o tema “Da Universalização à Unificação das Religiões de Matrizes Africanas: Parintins Um Polo Afro Indígena”, como explica o organizador do evento, Franciney Silva:


“Quando os negros foram trazidos para o Brasil, forçados, eles trouxeram consigo culturas, religiões, ritos, tradições. E, quando trata-se de religião, mesmo tendo umbanda, candomblé, outras ramificações religiosas negras, tudo tornou-se macumba, unificou-se. Quando eu falo da Universalização, é justamente isso: a pluralidade pra Unificação, pra singularidade. Quando eu falo de Polo Afro Indígena, é porque Parintins tem terreiros e esses terreiros têm algumas características indígenas, ou seja; é a africanidade com a questão indígena, é a junção, um Polo Afro Indígena. Então, esse tema é justamente propício pro momento; é bom pra que nós possamos refletir que essas culturas, tanto negra quanto indígena, são importantíssimas dentro da cidade de Parintins”, esclarece.


De acordo com a doutoranda em História (PPGH/Ufam) e mãe de santo (sacerdotisa), Márcia Gabrielle, existem sete terreiros de umbanda formalizados em Parintins. “O número de terreiros e mesas aumentaram, ou melhor, aumentam diariamente. Lembrando que isso não impede de estarem abertos e funcionando”, reforça.



Vozes das Sacerdotisas da Umbanda de Parintins


Mesa redonda com as mães de santo, no Auditório da UEA/Campus Parintins (Foto: Larissa Monteiro/Amazonas Cultura)


Sacerdotisas de Parintins, por meio do empoderamento afro-religioso, contribuem para a quebra de preconceitos enraizados na sociedade, sejam eles do racismo ou da intolerância religiosa.


“Essa mesa com as sacerdotisas de Parintins é tendenciosa pra mim, enquanto pesquisadora de mães de santo na cidade de Parintins”, disse mãe Márcia Gabrielle ao mediar a mesa do Minicurso: O Papel da Mulher Sacerdotisa para a Quebra de Paradigmas de Cunho Sócio-Religioso em Parintins – Am, no dia 17 de novembro, no auditório da Universidade Estadual do Amazonas (Cesp/UEA), no Movimento Afro Parintintin 2022.


Mãe Márcia é filha de santo do Centro Espírita Oxalá, da sacerdotisa Rosa Lacerda, e do Centro Espírita de Umbanda Mãe Mariana, da sacerdotisa Cíntia. E diz que, diferente das outras religiões, eles não têm algo escrito (livro sagrado) dentro do terreiro.


“A nossa vivência e a nossa identidade são construídas diariamente nos centros de terreiros de umbanda e candomblé” (pelas tradições orais). O momento de aprendizado é “com o caboclo que desce, com a entidade que desce, com o canto, com a dança”, finaliza.


Daniel Adelino de Souza Brito (falecido em 2014) “foi um dos primeiros pais de santo que rufou tambor nesta cidade”, diz a professora e mãe de santo Edna Bentes, líder do Terreiro São Cosme e Damião (localizado na Rua Osvaldo Melo, Bairro Itaúna I), mesmo nome do terreiro de seu pai de santo.


Em 1980, o pai Daniel trouxe a afro-religião à Parintins, e, no dia 27 de setembro de 1983, fundou o Centro Espírita de Umbanda São Cosme e Damião. Ele era o responsável por solicitar a formalização dos centros afro-religiosos no Amazonas, por intermédio da União de Tendas de Umbanda e Candomblé do Brasil – Sucursal de Parintins, filiada à União de Tendas de Umbanda e Candomblé do Brasil – São Paulo, e pela Federação Umbandista e Ritos Afro-brasileiros no Estado do Amazonas.


A Umbanda é uma religião considerada afro-brasileira por unir elementos das religiões identificados nas culturas africanas, indígenas brasileiros, europeias e orientais. Nas práticas e crenças religiosas, o Candomblé se aproxima mais das culturas africanas. Ambas as religiões são, historicamente e atualmente, marginalizadas e invisibilizadas, associadas à maldade pelos intolerantes religiosos ou leigos que desconhecem as histórias das religiões de matrizes africanas.


Há três anos, Aline Ramos é filha de santo da sacerdotisa Maria Linéia Freire, do Terreiro de Umbanda Ogum Beira Mar e Cabocla Mariana (localizado na Rua Lourenço, Loteamento Teixerão), que está se tornando um Centro Cultural. Para Aline, “a umbanda é um lugar muito de acolher, muito de humildade e carinho”. E ainda reforça: “nós não buscamos a maldade, o desentendimento, nós buscamos ser entendidos e ser acolhidos e respeitados; nós estamos levantando essa bandeira de sermos aceitos”.


Nas falas semelhantes das umbandistas de Parintins, os terreiros são espaços de amor e caridade, como relata mãe Edna:“tenho meus filhos de santo e tô vivendo a vida pra prática do bem. Faço minhas caridades, faço minhas ações, distribuo no Natal minhas cestas básicas com meus filhos de santo. A gente não tá ali como o povo diz: ah ali só é maldade; no terreiro de umbanda, não é maldade”.


No Terreiro de São Jorge (localizado na Rua Tomazinho Meireles, Bairro Itaúna I), da professora e mãe de santo Socorro Reis, é assim:


“Em casa, a gente não faz nada de maldade. Eu digo pros meus filhos que a maldade tá no coração das pessoas, não é na gente. Nós estamos lá pra fazer o bem, pra dar uma palavra amiga, porque chegam tantas pessoas com a gente. Às vezes, dizem assim: não vem ninguém no terreiro, mas vem. Tem pessoas que chegam lá daquele jeito, tristes, chorando, não sabem mais pra onde apelar. É a gente que dá aquele conforto. Lá, nós somos psicólogos, nós somos médicos".


Mesa: O Papel da Mulher Sacerdotisa para a Quebra de Paradigmas de Cunho Sócio-Religioso em Parintins (Foto: Larissa Monteiro/Amazonas Cultura)


Demonizam os orixás (divindades africanas), principalmente Exu. Na época em que os negros foram escravizados no Brasil, ele era cultuado e louvado disfarçadamente na imagem de Santo Antônio (divindade católica) em algumas regiões do país. Houve a associação dos orixás com os santos católicos – chamada sincretismo das religiões afro-brasileiras – para que os ancestrais africanos rezassem sem ser proibidos, castigados ou mal interpretados.


As presenças das sacerdotisas da umbanda, numa mesa redonda no auditório de uma universidade pública, no Movimento Afro Parintintin 2022, para além de partilhar as memórias e vivências dentro da religião de matrizes africanas, “é dizer assim: nós sempre tivemos aqui”, afirma mãe Márcia.


Em Parintins, as primeiras práticas da afro-religião estão ligadas ao pai Daniel em 1980, mas acredita-se que, antes disso, existia, como diz mãe Márcia: “a gente já tinha benzedores, puxadores de ossos. Então, não quer dizer que foi com ele, com ele apareceu mais, porque ele ia pra praça, então aquilo foi quebrando. O preconceito era mais forte. Hoje, nós temos preconceito? Temos. E isso não vai acabar do dia pra noite, é uma luta diária, no entanto, que a gente tá aqui hoje pra quebrar essa barreira”.


Mãe Socorro relembra as dificuldades de assumir a religiosidade e de enfrentar os preconceitos durante a docência: “A escola em que eu trabalhava era evangélica e lá eu me escondi. E, quando “descobriram, começaram a me isolar; não falavam comigo. Aí, um dia, eu chamei eles, perguntei pra eles por que eles faziam isso comigo. Porque eles sabiam que eu era umbandista. Deus que habitava neles habitava em mim, eu disse pra eles, e ele me amava do jeito que eu sou; ele não ia me excluir”.


“É muito complicado a gente buscar um trabalho e a gente ser discriminado pela religião, porque já aconteceu isso comigo: de eu buscar um trabalho e eu ser discriminada pelo momento em que eu digo assim: eu sou umbandista”, lamenta a filha de santo Aline.

Assim como todas as mães e pais de santo, a mãe Márcia espera por dias melhores para os povos tradicionais, “principalmente, voltados por políticas públicas. Nesses últimos quatro anos, fomos meio que esquecidos ou invisibilizados; nos jogaram num lugar que não é nosso, mas nós ocupamos esses outros espaços. Somos professores; acho que, acima de tudo, somos da sociedade aí”, comenta.


Sobre os clamores pelo fim dos preconceitos, “é um combate diário contra o intolerante, contra o racista. Não estamos fazendo nada de errado. Então, eu quero respeito com a minha religião, com o pano de cabeça que eu uso, com a guia que eu uso; não é só quando eu tô de branco”, pede mãe Márcia.


Mãe Márcia ainda reforça: “Quando eu vou pra uma entrevista de trabalho, eu não ser julgada pela minha posição política e pela minha religiosidade, e, quando eu vou em algum espaço público, vestida ou não, não ser julgada por isso. Eu ter meu livre de entrar e sair da minha casa ou de fazer uma publicação com uma imagem, com uma foto em uma rede social, e não vir chuvas de comentários racistas, intolerantes, na minha imagem”.


Ao finalizar seu momento de fala, na roda de conversa entre as umbandistas, Aline reflete: “Cada um tem um lugar, cada um tem seu espaço, cada um tem sua crença, a sua doutrina, o seu modo de evangelizar. Se o nosso é rufando tambor, louvando ao sagrado, louvando as nossas entidades, os nossos orixás, e acreditamos nisso, é isso que nós vamos levantar; levantar essa bandeira pra tentar amenizar a intolerância religiosa”, conclui.



O outro lado


Encerramento da II Manifestação do Movimento Afro Parintintin, no dia 19 de novembro, no Complexo Benedito Azedo (Foto: Larissa Monteiro/Amazonas Cultura)


Movimento Afro Parintintin (fundado e articulado pelos historiadores e umbandistas, Franciney Silva e Márcia Gabrielle), unido aos povos de terreiros do município, busca por equidade religiosa nas políticas públicas e inclusão no calendário cultural de Parintins. Eles querem o direito de festejar suas tradições uma vez ao ano, em espaços públicos, como ocorre com outras crenças, e assim reunir as religiões de matrizes africanas de Parintins e região.


A Prefeitura Municipal de Parintins e a Secretaria Municipal de Cultura e Turismo (Semctur), por meio do prefeito Frank Bi Garcia e da secretária Karla Viana, respectivamente, disponibilizaram a logística, com a sonorização e iluminação, atrações de bandas e guarda municipal para o encerramento da segunda edição da manifestação do movimento, no dia 19 de novembro de 2022, no Complexo Benedito Azedo – Esporte, Cultura e Lazer.


O movimento ainda não faz parte do orçamento de Parintins. “Poderíamos realmente abraçar muito mais, mas, infelizmente, temos um orçamento já escolhido. Temos várias outras manifestações que temos que realmente também abraçar, assim como estamos abraçando vocês”, explica a secretária de cultura, ao ter o lugar de fala durante o evento.


Ao reconhecer a luta e a importância da manifestação, Karla Viana diz que a Secretaria Municipal e a Secretaria Municipal de Cultura e Turismo estão “de portas abertas sempre pra receber, pra ouvir, pra incentivar. Eu não vejo vocês como excluídos, de forma alguma; vocês são parte integrante de qualquer manifestação cultural que a gente tem aqui no município. Vocês são parte do município de Parintins”, finaliza.


Por meio de ofícios, os organizadores do evento, Franciney Silva e Márcia Gabrielle, enviaram convites à Câmara Municipal, com programação em portfólio junto aos objetivos do movimento, e solicitaram, também, uma sessão solene em homenagem aos povos de terreiros. Responderam ser inviável para o ano de 2022.


Fonte: com informações do Movimento Afro Parintintin



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