Entrevista com Adriana Guimarães, da página Lendas Amazônicas
Por: Larissa Monteiro/Amazonas Cultura
“Mesmo sendo lendas, sempre há um toque de realidade e clamor pela preservação”
Lendas Amazônicas surgiu em novembro de 2020, no cenário do Novo Coronavírus em Parintins, na rede social Instagram. É um projeto independente com o objetivo de mostrar, por meio das narrativas e da arte, o imaginário caboclo e ribeirinho da região amazônica.
A iniciativa do projeto é da estudante de Administração (Icsez/Ufam), Adriana da Silva Guimarães, 21, que gerencia a página e escreve as lendas, em parceria com o artista visual (Icsez/Ufam), Andrey Marques Martins, 24, desenhista dos personagens lendários. A página no Instagram tem mais de 40 lendas escritas/postadas e mais de 400 seguidores/admiradores.
Para a idealizadora das “Lendas Amazônicas”, lendas são “narrativas que são repassadas de geração em geração e que no decorrer do tempo recebem mais detalhes e até pequenas alterações, possuem variadas versões por onde chegam ou passam. Além disso, trazem muita imaginação, abordam sobre a cultura e tradição de diversas localidades”.
As lendas no Festival Folclórico de Parintins ajudam criar cenários fantásticos (sejam físicos e/ou imaginários), por meio das toadas, das alegorias e da própria narrativa – sobre as tradições e as culturas dos povos da Amazônia: indígenas, negros, caboclos e ribeirinhos. As escritas por Guimarães são, especificamente, de origem indígena e ribeirinha. Nessa entrevista, ela fala sobre a importância cultural das histórias lendárias da região, que também transmitem há anos, consciência ambiental à sociedade.
Foto: Adriana Guimarães
O que é o projeto “Lendas Amazônicas” e qual o objetivo em contar as lendas da região?
O projeto intitulado “Lendas Amazônicas” é independente, não possui vínculo com nenhuma instituição ou órgão, e visa mostrar através de textos e desenhos as lendas conhecidas e aquelas não muito conhecidas, que perpetuam até os dias de hoje no imaginário dos caboclos e ribeirinhos da região. A ideia de desenvolver tudo isso surgiu em novembro de 2020, naquele contexto da pandemia de Covid-19. Inicialmente, a minha ideia era criar uma página sobre livros, que pudesse abranger resumos, resenhas, dicas de leitura e tudo o que fosse possível fazer. Porém, pensei melhor, e por que não criar algo que falasse sobre a região? E não poderia ser outra coisa, apostei nas lendas, pois é algo que eu e muitas pessoas gostam bastante, desperta curiosidades e questionamentos.
Vi que você tem parceria com o Andrey Martins, fale mais da função dele na iniciativa.
Essa parceria surgiu no mesmo instante que tive a iniciativa de colocar em prática o projeto, pois além de escrever sobre as lendas eu também queria que tivesse representações dos seres lendários e místicos, porém não queria que fossem imagens da internet ou algo parecido, e como ele desenha muito bem e conhece bastante sobre o festival de Parintins no quesito alegoria e toada, não pensei duas vezes em firmar essa parceria para as criações dos desenhos das lendas e escolha das toadas que acompanham as artes produzidas.
Qual a razão da escolha da rede social Instagram para postagens das lendas?
Não pensei muito na escolha, simplesmente só criei a conta no Instagram, mas analisando um pouco depois, percebi que essa rede social nos últimos anos tem se destacado bastante e de vez enquanto possui atualizações que só favorecem o engajamento de marcas, pessoas, empreendimentos e instituições por exemplo. Nesse sentido, acredito que fiz uma boa escolha, mas ainda preciso me adaptar a sua forma de uso, para fazer com que a página alcance um número maior de pessoas.
O que te inspira ao contar as lendas, de onde vem todo esse embasamento? Porque são histórias bem contadas.
Desde a infância sempre gostei de escrever histórias, inventar, criar cenários, narrar. Acredito que tudo vem desse contexto. Os textos que são postados são readaptados de várias pesquisas, faço uma “varredura” com a ajuda do Andrey em tudo o que for possível para ter embasamento e poder contar ao meu leitor/seguidor a história e fazer com que ele imagine junto comigo aquela lenda contada.
Qual a importância das Lendas Amazônicas para o povo da região?
As lendas são parte de um povo, e no caso da nossa região constituem a identidade cultural dos povos indígenas e ribeirinhos. Mostrá-las além dos festivais da região norte, que é quando ganham um pouco mais de destaque, é contribuir, dar importância, e principalmente não deixar “morrer” histórias de lutas de diversos grupos, pois por trás de toda lenda há sempre uma lição a ser interpretada e aprendida.
O que você espera da sociedade com o papel que desempenha?
Eu espero uma sociedade que respeite, valorize e reconheça a rica cultura que temos, e que jamais seja apagado o legado deixado pelas pessoas que derramaram e derramam sangue em defesa dos rios e florestas dessa imensa Amazônia. Mesmo sendo lendas, sempre há um toque de realidade e clamor pela preservação, como no caso das lendas do Mapinguari, Juma, Curupira e Mãe da Mata, que são seres lendários protegendo e lutando contra invasores que ousam acabar com a fauna e flora. Além disso, enfatizar a classe artística de Parintins, jovens talentosos e cheios de criatividade, que infelizmente não possuem espaço na “cidade que respira arte”.
Na sua opinião, qual a lenda que melhor representa a região amazônica ou Parintins?
Acredito que não tem uma lenda específica para responder a essa pergunta, pois cada lenda representa um pedaço da Amazônia, cada uma carrega traços da plenitude das florestas, dos animais, dos povos originários, dos rios, e principalmente da vida.
Agora conta aí, qual é a lenda que você mais gosta e por que?
Assim como a pergunta anterior, essa é um pouco difícil de responder, pois gosto de muitas, mas pelo cenário atual da nossa Amazônia aqui cito a lenda do “Juma”, que retrata um ser mítico gigantesco protetor da natureza, que assusta e até castiga aqueles que fazem mal para a floresta e os animais. Ele é uma mistura de homem e macaco, que vive pelas matas e usa uma borduna. Esse ser nos lembra um pouco de que o “Pulmão do mundo” sempre foi ameaçado e que agora mais do que nunca é preciso lutar, cuidar e proteger.
Lenda: Juma
Arte: Andrey Martins
Texto: Adriana Guimarães
O Juma, assim como outros seres míticos indígenas, com o tempo deixou de ser o "monstro" que aterrorizava os povos da floresta e virou um ser protetor da natureza, usando o gigantismo de sua forma pra assustar e até castigar aqueles que fazem mal para a floresta e os animais.
Ele é uma mistura de homem e macaco, que vive pelas matas e usa uma borduna (tacape). Sua descrição é sempre de um ser fantástico e apavorante, que vive encantado e mimetizado (se assemelha fisicamente com outros seres) em árvores e se transforma no gigantesco ser protetor, sempre que a natureza é ameaçada.
Quando o Juma desperta, provoca um barulho ensurdecedor e todas as entidades míticas protetoras da vida na floresta se manifestam, como se recebessem um aviso, através de ventos, cantos, assobios e gritos.
📌Curiosidades:
- Foi a tribo Juma, da etnia Cawahiva, que deu nome à lenda.
- Essa lenda ainda está presente no imaginário cotidiano dos povos da Amazônia, principalmente, na área cultural que vai do rio Tapajós ao Madeira, região onde estão dispersos índios da etnia Cawahiva, como os Parintintin, Tenharin e Uruew-Wau-Wau.
- Essa estória é bastante recorrente em Parintins, especialmente, no imaginário dos moradores das comunidades rurais do município, onde a figura assustadora do Juma ainda é usada para amedrontar as crianças para que elas evitem os riscos reais dos bichos da floresta.
Confira a página de “Lendas Amazônicas” no Instagram, pelo link: https://www.instagram.com/lendas_amazonicas/
Borduna: objeto perfurante feito de madeira, utilizado como arma.
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